Tuesday, December 05, 2006

Ensaios diversos

Platão, a cultura do medo e os microchips
Por Tárcio M. Fabrício
O filósofo Platão, no célebre ensaio “Alegoria da caverna”, discutia a concepção de realidade e a dualidade entre Bem e Mal na condição humana. Hipotéticamente, previa a existência de uma caverna habitada por alguns prisioneiros, os quais eram obrigados a permanecer imóveis, de costas para a entrada do imenso salão. Por muito tempo observavamm apenas sombras do mundo exterior, projetadas no paredão a sua frente.Para tais homens, aquelas imagens representavam a sua realidade, o seu mundo. A qualquer incauto, de fora da caverna, que tentasse convencer os encarcerados de que a realidade era diferente, estariam destinadas as mais severas punições e a mais vil das incredulidades.Após séculos, o pensamento do filósofo fundador da Academia é um retrato fiel das concepções humanas da realidade, demonstrando toda a amplitude de sua argumentação. Na sociedade atual, os meios de comunicação, capitaneados principalmente pelas redes de televisão, representam fidedignamente a parede da caverna, enquanto o Homo sapiens continua preso às amarras, impedido de olhar a sua volta.Tudo quanto lhe é apresentado, como que num efeito hipnótico, passa rapidamente a ser encarado como a mais pura verdade. Como agravante dessa situação, observa-se a concentração das empresas de comunicação e em geral uma mesma orientação ideológica e econômica em todas elas.São os donos desses meios, os juízes, com o poder de decidir o que deve ou não ser exibido ao povo. No caso do Brasil, é freqüente a exploração da violência como notícia. A alta exposição a esse tipo de conteúdo, gera alienação e apatia popular. Em recente estudo divulgado, psicólogos afirmam que os jovens brasileiros se tornaram mais individualistas e menos comprometidos com questões sociais, graças ao fenômeno da cultura do medo.Nas grandes e médias cidades, as pessoas evitam sair de suas casas. Preferem utilizar meios de transportes individuais e alteram seus hábitos de consumo graças ao pavor exercido pelo fenômeno.Há alguns anos, como forma de manipulação política, a maior e mais importante rede de televisão do país começou uma campanha implícita de destruição da imagem do Rio de Janeiro. A todo momento, os noticiários expunham cenas de traficantes em confronto com a polícia, cenas de uma verdadeira guerra civil.Em pouco tempo o fluxo de turistas na cidade diminuiu drasticamente. Entretanto, qualquer habitante da cidade, questionado sobre a violência urbana, afirma que o problema, apesar de grave, não é tão diferente do enfrentado em outras metrópoles, mas infelizmente o rótulo já pegou.Outro caso de tal culto a violência, foi na recente crise da segurança pública do estado de São Paulo. O pânico foi instaurado, com o fomento de boatos e informações infundadas, pela imprensa, acerca de ataques do PCC, a ponto de paralisar a maior cidade do país. Feito isso, abriu-se caminho para a atuação de grupos de extermínio do próprio Estado.Sem testemunhas, com as ruas desertas, a polícia realizou um verdadeiro banho de sangue. Executando a esmo qualquer pessoa, leia-se negro e pobre, que estivesse fora de casa e levantasse alguma suspeita, a intimidação do poder governamental surtiu efeito e rapidamente a mídia mudou seu enfoque a outro tema vendável.Uma nova perspectiva, no entanto, se vislumbra como alternativa a tal manipulação midiática. A implantação no país, do novo sistema de televisão digital, tem como um dos seus principais objetivos a democratização dos meios de comunicação audiovisuais.Com a possibilidade tecnológica oferecida pelo sistema e a vontade política na distribuição de concessões de novos canais a empresas de perfis diferenciados, abre-se a oportunidade para visões e enfoques diversos de programação. Partindo desse pressuposto, pode-se alcançar a efetiva representação dos mais diferentes setores da sociedade mostrando distintas realidades sociais e deixando de se pensar na notícia apenas como mercadoria.Vários aspectos da implantação do novo sistema ainda devem ser discutidos, em uma ampla consulta popular e técnica, visto que é apenas o início de um processo. Um novo ciclo que se inicia, podendo representar um avanço na relação da mídia com seu público alvo.Aos mais otimistas, eis o surgimento de uma força libertadora, a qual utilizando-se de microchips e outros acepipes tecnológicos, romperá as correntes e libertará todos os enclausurados da caverna de Platão.
O Jornalista e o analfabeto
Por Tárcio M. Fabrício
Os primeiros resultados alcançados no levantamento do perfil dos meios de comunicação da região de Araraquara, indicam claramente uma forte relação entre o nível de escolaridade e a quantidade dos veículos, bem como de profissionais envolvidos na elaboração dos produtos jornalísticos.
Realizada pelos alunos do curso de Jornalismo do Centro Universitário de Araraquara, UNIARA, sob coordenação do Prof. Luiz Carlos Messias, a pesquisa levantou dados de 44 veículos em 9 municípios diferentes.
No confronto entre as variáveis obtidas na pesquisa, o número de veículos de comunicação e de profissionais do ramo, apresentou uma relação diretamente proporcional a média do número de anos de estudo da população. Em contrapartida, essa relação se mostrou inversamente proporcional quando pareada ao índice de analfabetismo das cidades estudadas.
Os resultados obtidos confirmam, em bases científicas, uma hipótese lógica, remetendo, entretanto, a um questionamento acerca da postura dos profissionais de jornalismo diante de tal fato. Em um país de extrema desigualdade social, é inadmissível a passividade observada nos meios de comunicação diante de um quadro tão alarmante.
O questionamento e a cobrança por uma melhor qualidade na educação, deveriam pautar a todo o momento a atuação dos profissionais de comunicação. Além de questão ética, norteadora de uma sociedade mais digna, a melhoria do nível educacional teria reflexos econômicos imediatos aos próprios profissionais.
Como demonstrado na pesquisa, o mercado poderia obter crescimento, proporcionando maior competição entre as empresas; gerando mais vagas no setor; aumentando a qualidade da notícia e, acima de tudo, firmando em bases sólidas o acesso a informação.
A partir dessa consolidação, a imprensa fomentaria ainda mais o aumento nos níveis de desenvolvimento humano, estabelecendo junto à sociedade, um sistema de retro alimentação material e cultural.

Matérias apresentadas na disciplina Técnicas de reportagem

Estudantes do curso de Jornalismo da Uniara mergulham no “universo das palavras” em visita ao Museu da Língua Portuguesa
Por Tárcio M. Fabrício
No último dia 23 de maio, os estudantes do primeiro ano do curso de jornalismo da uniara visitaram o Museu da Língua Portuguesa na cidade de São Paulo. A visita teve como principal objetivo demonstrar aos alunos a importância de um bom conhecimento do idioma no bom exercício de sua futura profissão. Durante toda a tarde os alunos puderam conhecer as diversas exposições e ambientes interativos do Museu, onde é possível interagir com toda a história do desenvolvimento da língua, bem como com as influências regionais e de outros idiomas no Português moderno.
Essa “imersão” no mundo das palavras rendeu boas idéias aos participantes da excursão, no que diz respeito ao entendimento da importância da palavra escrita, para a estudante Jovana Treu, 24 anos, a visita foi extremamente interessante, “... se você não consegue se expressar bem com as palavras escritas, o leitor não vai conseguir compreender sua matéria, nem seu ponto de vista”. Já para o estudante Eduardo Gagliani, 18 anos, “os jornalistas também precisam aprender a falar para poder realizar uma entrevista com conteúdo, onde não apenas façamos perguntas às fontes, mas que façamos com que elas se interessem pelo assunto”.
Outro aspecto que em muito chamou a atenção dos participantes da visita foi a grande diversidade de influências a qual foi submetida a Língua Portuguesa no Brasil, a estudante Jovana afirma que antes da visita nunca tinha pensado em quão forte eram essas influências, “... a partir de então, tenho prestado mais atenção no significado das palavras e até tento descobrir qual sua origem”. O idioma para ela pode ser definido a partir de então pela palavra mistura. Eduardo, no entanto o define com a palavra complexidade, “... o português é muito mais complexo pelo menos que o inglês e o francês que geralmente adotam a mesma regra para vários tipos de palavras como adjetivos e advérbios, agora o português tem uma regra para cada classe de palavras”.
Sendo a mais nova atração cultural da cidade e a primeira instituição do gênero no mundo, o museu é ponto de encontro do visitante com a língua, a literatura e a história, exibidas por meio de recursos audiovisuais e tecnologia de ponta. A obra, inaugurada em 20 de março de 2006, é uma realização do Governo do Estado de São Paulo e Fundação Roberto Marinho, com parcerias de empresas públicas e privadas. Em todo o projeto foram investidos R$ 37 milhões.

O Museu da Língua Portuguesa fica na Estação da Luz, na Praça da Luz, s/nº, região central de São Paulo. Funciona de terça-feira a domingo, das 10 às 18 horas e a entrada custa R$ 4,00. Estudantes pagam R$ 2,00.
PT vira em Rincão e dá vitória a Lula
Por Tárcio M. Fabrício
O segundo turno da eleição presidencial ocorreu de forma tranqüila no município de Rincão, SP. O presidente Lula, candidato a reeleição pelo PT, obteve a vitória contando com 52,32 % dos votos contra 47,68 % obtidos pelo candidato Geraldo Alckmin do PSDB.
O resultado causou surpresa, pois no primeiro turno das eleições o candidato do PSDB saiu vitorioso na cidade com 54,8 % contra 40, 91% do candidato petista. Isto significa uma virada de 1.000 votos a favor de Lula, em um universo de pouco mais de 5.000 eleitores, em apenas 20 dias de campanha.
Um dos coordenadores de campanha do PT na cidade, o vereador Bruno Mattos, não se surpreendeu com a virada. Para ele, a animação dos tucanos acabou juntamente com os recursos dos candidatos a deputado, findada a eleição ao legislativo.
O também petista Dudu Bolito, ex-prefeito do município, concorda com essa hipótese observando que apesar disso, o maior mérito foi do próprio candidato, uma vez que “A partir do momento em que a eleição ficou polarizada, a discussão programática e ideológica veio a tona. O adversário de Lula deixou claro que seu partido não tem programa, a não ser privatizar o que ainda não conseguiram no governo anterior”.
A maioria dos partidários do candidato Geraldo Alckmin, não quis se manifestar sobre os resultados. Apenas um militante da juventude do PSDB, que não quis se identificar, se pronunciou dizendo que o clima de “já ganhou” contaminou os integrantes da campanha tucana. “Não tinha jeito, enquanto os petistas trabalhavam, nosso pessoal só tirava o sarro dizendo que se até o Suplicy perdeu aqui, imagina o Lula?”.
Para a socióloga Fabiana Luci de Oliveira o mesmo processo verificado na cidade ocorreu nos pequenos municípios vizinhos da região, onde as ações sociais do governo atual, como o bolsa-família, passaram a ter maior visibilidade no segundo turno.
Cerca de quinze minutos após o fechamento das urnas, os resultados na cidade já tinham sido totalizados pelos fiscais de ambas as coligações, mas as comemorações só começaram após a divulgação das primeiras parciais oficiais do TSE.
Os militantes do PT organizaram uma carreata com cerca de 100 veículos e percorreram as ruas da cidade. Segundo o delegado da cidade Dr. Helton Hugo Negrini, tanto a eleição quanto as manifestações posteriores, transcorreram de forma pacífica e nenhuma ocorrência foi registrada.

Quando amar é sofrer
Por Tárcio M. Fabrício & Jovana M. Treu
Exatamente às 20 horas e 15 minutos, Maria, a mulher mais experiente do grupo, parecendo exercer certa liderança, se despede e lembra às companheiras a primeira regra: “Auto-estima meninas, sempre!”, para em seguida, informar que na próxima semana a reunião começará como de costume, às 19 horas.
A turma formada por 12 mulheres parece animada. Levantando-se vagarosamente, começam a conversar sobre os mais diversos temas, exceto sobre os assuntos discutidos na reunião. A confraternização e o bate papo são bem vindos e até estimulados. Hera, a mais nova do grupo, comenta com uma amiga ao lado sobre o capítulo da novela, enquanto Helena falava que naquele dia iria ao cinema.
Vislumbrando esse desfecho alegre qualquer observador poderia supor tratar-se de uma reunião de amigas, entretanto bastaria regredir alguns minutos para que se instalasse uma impressão bem diferente sobre este encontro.
Nesse mesmo dia, quarta-feira, 15 de novembro, cerca de 1 hora e quinze minutos antes, tinha início mais uma reunião do M.A.D.A. ou Mulheres que Amam Demais Anônimas. Esse grupo é formado por mulheres que têm em comum um transtorno psicológico, cujos diagnósticos aumentam a cada dia.
Nestas reuniões, elas buscam uma forma de tratamento há muito praticada por dependentes químicos, e se utilizam da ajuda mútua para enfrentar o seu tipo de dependência, que talvez seja um dos mais cruéis: a dependência afetiva.
Nesse exato dia, Hera chegou pontualmente à reunião com os olhos mareados, inconsolável. Pediu para ser a primeira a falar e foi prontamente atendida.“Eu não consegui! Mais uma vez fui xeretar no computador dele e tomar satisfação sobre um e-mail de um amigo” disse ela.
A mulher alta, bem vestida e imponente, chorava como uma criança enquanto narrava sua semana. Rompendo o silêncio, Maria resolveu intervir, lembrando a “amiga” que esse tipo de atitude é normal, principalmente nas novatas. Infelizmente nas mais experientes também, completou. “Não podemos esquecer que sempre estaremos sujeitas a passar por isso, o que a gente tem não pode ser curado e só conseguimos controlar essa compulsão se lembrarmos disso”.
Foi em 1985 que a psicóloga e terapeuta familiar Robin Norwood, lançou um livro baseado na sua própria experiência e na experiência de centenas de mulheres envolvidas com dependentes químicos. Ela percebeu um padrão de comportamento comum em todas elas e as chamou de "mulheres que amam demais".
No referido livro, a autora descreve o distúrbio como sendo uma “dependência afetiva”, onde as vítimas – assim como os dependentes de álcool ou drogas – necessitam da troca de experiências e de aconselhamento para se reintegrarem ao convívio social.
Aparentemente as reuniões têm um efeito apaziguador nas participantes, como relata Helena, psicóloga e integrante do grupo. “Eu não podia me aceitar tendo o mesmo distúrbio de algumas de minhas pacientes e também não acreditava que esse grupo pudesse surtir algum efeito” conta.
O distúrbio, que acomete Helena e suas companheiras, é denominado cientificamente como Hiperosia e é, na verdade, um tipo de compulsão sexual, não atingindo exclusivamente o sexo feminino, mas, devido às características de identidade de gênero masculino ou feminino, alguns comportamentos compulsivos são mais notáveis em homens e outros em mulheres, sendo o ciúme e a baixa auto-estima mais constantes entre estas.
Depois de um tempo lutando contra o diagnóstico e participando de inúmeras confusões, com o então namorado, Helena criou coragem e foi a uma reunião: “cheguei como todas as novatas, chorosa e incrédula; mas já na primeira saí aliviada”. Desde então sua presença nos encontros é uma constante; “parece uma sessão de descarrego” brinca.
A Psicóloga Juliana Steiner, especialista em sexualidade, explica que os portadores da Hiperosia são aqueles ciumentos compulsivos; que se envolvem nos mais diversos problemas por desconfiança; capazes de atos violentos em casos mais extremos, geralmente se afundam em crises depressivas e tem uma visão distorcida de si; “não se acham a altura de seus parceiros” relata.
Outro grande problema, segundo Juliana, é a tendência dos portadores do distúrbio, a se envolverem com parceiros em geral muito frios e também com algum tipo de comportamento distorcido. “Se a garota vai para uma festa, você pode ter certeza que ela vai se encantar pelo típico cara que a trocará pelo jogo de futebol no ·domingo à tarde, ou preferirá viajar com os amigos para o litoral a passar o feriado na casa da família dela”.
Hera confirma o perfil traçado pela psicóloga, e enxerga ser esse o maior de seus problemas, “realmente sempre acho esses tipos mais atraentes; tenho certeza que seria muito mais feliz se me envolvesse com pessoas que realmente se importam comigo, aquelas com quem sei que posso conversar, sei que posso confiar”.
O problema enfrentado pelos dependentes afetivos foi retratado na novela “Mulheres Apaixonadas” em 2003, pelo autor Manoel Carlos. A partir da exposição da personagem na novela, o número de diagnósticos de Hiperosia aumentou, graças ao conhecimento, que o grande público e os próprios profissionais de saúde passaram a ter do problema. Para Juliana, outro fator importante é a atuação do próprio M.A.D.A. na divulgação e na formação de novos grupos de apoio.
Nesse caso a internet tem sido de fundamental importância. Segundo Maria, a mais antiga das “amigas” na reunião, o site do M.A.D.A., os grupos de discussão e a comunidade do orkut, têm sido os principais canais de integração, tanto entre os portadores do distúrbio quanto entre os profissionais interessados.
Algumas participantes, como Helena não agüentam esperar por uma longa semana e se utilizam desses subterfúgios tecnológicos. “Sempre que sinto uma recaída apelo para a sala virtual do M.A.D.A., sei que lá sempre vai ter alguém pra conversar comigo”. Hera também diz freqüentar essas salas, mas faz uma ressalva dizendo que em muitas situações as coisas não são bem assim: “ às vezes entram algumas adolescentes achando que o mundo vai acabar porque o namorado não telefonou, eu sempre respondo que elas nem imaginam o que é amar demais (risos)”.
Como forma de tratamento, Juliana indica o acompanhamento psicológico e a participação nas reuniões do M.A.D.A.; esse tipo de terapia funciona na grande maioria dos casos, entretanto, em casos mais graves deve-se recorrer à ajuda psiquiátrica.
No final de nossa conversa, quando as “amigas” foram questionadas quanto ao seu futuro, a resposta foi praticamente uníssona – Amanhã eu vou me amar em primeiro lugar, depois vou valorizar quem me valoriza; nem que seja só por um dia!
* o nome das participantes do M.A.D.A. entrevistadas foram substiruidos por nomes fictícios

Atividades de Sociologia Geral e da Comunicação.

SEGUNDA EDIÇÃO DO EXPRESSO CAIPIRA: EDIÇÃO TEMÁTICA ELEIÇÕES 2006

Concepção geral e editoria: Tárcio M. Fabrício

EDITORIAL E MATÉRIAS

Editorial

O jornalista Franklin Martins, em seu livro Jornalismo político, afirma que a partir do estabelecimento da obrigatoriedade do horário eleitoral gratuito, a imprensa brasileira deixou de ter um caráter panfletário; até então era muito comum que os jornais declarassem apoio formal ao candidato que defendesse interesses comuns aos seus. O jornalista considera essa transição como sendo um importante amadurecimento político.Entretanto, outro aspecto deve ser considerado quando se avalia a importância da imprensa no processo democrático, e esse aspecto não pode ser encarado como positivo; o apoio velado a alguns candidatos, fato comum na mídia do país, pode ser tão ou mais virulento a reflexão política do que as manifestações explícitas. Relembrando a história recente, podemos refletir acerca da manipulação da Rede Globo e da revista Veja em favor da eleição de Fernando Collor.Na atual corrida presidencial, também podemos observar indícios claros de uma tomada de posição por parte dos grandes veículos de comunicação. O noticiário se tornou um campo de batalha, e os jornalistas correspondentes de guerra. Nessa prática, o principal objetivo de tais profissionais é o de motivar as tropas aliadas ao interesse dos seus veículos.A grande mídia consegue dessa forma, passar todo o valor ideológico das classes dominantes, utilizando as entrelinhas no processo de convencimento de seu público alvo. Nitidamente podemos observar uma quase obsessão desses veículos, em derrotar o atual governo. Essa estratégia, no entanto, parece não surtir mais o mesmo efeito que há alguns anos. A resistência de grande parte da população em acatar facilmente a tal bombardeio de informações pode levar a grande mídia a perder o pouco de credibilidade que ainda lhe resta.Essa publicação se presta a tentar informar o leitor de forma clara sem, no entanto, bradar uma pretensa imparcialidade. Temos opiniões e por mais que nos policiemos em relação à sua manifestação sempre teremos uma tendência a defender essas idéias, mesmo que de forma discreta. Não apoiamos formalmente nenhum candidato, entretanto, como forma de expressar as nossas posições, declaramos abertamente os votos individuais dos participantes da elaboração deste produto.Buscamos com isso, devolver ao leitor algo que há muito tempo lhe foi subtraído: o direito de refletir claramente acerca dos fatos, associando a forma como a notícia é apresentada, ao real posicionamento ideológico de quem a escreveu.
Tárcio M. Fabrício
Editor geral
Enfim o debate
Por Tárcio M. Fabrício
Na atual corrida presidencial, vários assuntos de interesse estratégico do país sequer foram pautados pelos candidatos. Questões debatidas em profusão anteriormente, relacionadas à política externa, meio ambiente, reforma agrária e equilíbrio de contas públicas foram relegadas ao segundo plano em detrimento das questões relacionadas às políticas sociais,como educação – tema colocado em pauta pela insistência de Cristovam Buarque- e finalmente a principal de todas; as trocas de acusações no campo ético e moral.A concentração das discussões em torno de tais assuntos empobreceu as campanhas e confundiu os eleitores; diminuiu a capacidade de reflexão em termos de conteúdo programático.A partir da conclusão óbvia de que a bandeira ética da política das mãos limpas, pregada pelo PT e por toda a esquerda brasileira durante anos já não existe, o poder corrompeu, e assim continuará enquanto uma reforma política ampla e radical não for aplicada nas nossas instituições. Até lá, por mais que se combatam práticas amorais, estas se perpetuarão por meio de qualquer grupo que esteja no poder, utilizando-se de subterfúgios para sua manutenção nessa posição.A partir de tal conclusão, podemos imaginar que após as incessantes variações sobre o mesmo tema, finalmente teremos um debate acerca das concepções verdadeiras de cada um dos candidatos. Resta saber como será o comportamento dos dois candidatos quando face – a – face. O candidato tucano, tentando adotar uma postura mais agressiva na reta final da campanha, começou a desafiar veementemente o presidente para o confronto. Entretanto, sabia que isso não aconteceria e até torcia para que não acontecesse. Por mais que desafie e tenha bons argumentos para combater o governo petista, seria muito arriscado enfrentar um político da envergadura de Lula.Lula manteve-se a todo tempo em seu pedestal de candidato favorito; em nenhum momento a sua estratégia seria participar de um debate onde levaria bala de todos os lados.O candidato do PSDB não é bem aquilo que pode se chamar de carismático, pelo contrário; já Lula tem a experiência de várias eleições e de embates diretos com políticos tão ou mais hábeis na retórica quanto o próprio. O presidente apresenta também um grande poder de reação às adversidades e adora confronto, como já demonstrado em outras campanhas. Deve estar babando para ir ao debate.No primeiro turno, Alckmin podia contar com a ferinidade de Heloísa Helena e com a articulação de idéias de Cristovam Buarque para ajudar na neutralização de Lula. Mas agora está sozinho nessa tarefa. Será que o Geraldo, tão zen e de fino trato agüenta combater o antigo sindicalista? A resposta virá em breve.Agora é preparar a pipoca, assistir a luta e torcer para que finalmente apresentem propostas concretas para o país.
O golpe da direita e o risco PT
Por Tárcio M. Fabrício

As vésperas de eleição presidencial de 2006, estourou um escândalo eleitoral de proporções não vistas desde a manipulação e edição descarada, em 1989, do debate presidencial da Rede Globo. Naquele momento, o então candidato, hoje presidente da República, despontava como favorito nas pesquisas e posterior a edição do debate presidencial, perdeu aquele pleito para a nova promessa vinda da oligarquia nordestina; o Brasil elegeria então Fernando Collor, algum tempo depois deposto por sérias acusações de corrupção.O escândalo atual começou com a prisão de alguns integrantes do Partido dos Trabalhadores durante a negociação para compra de um suposto dossiê, incriminando integrantes e candidatos do PSDB e os associando ao superfaturamento na compra de ambulância; a. partir de tal acontecimento montou-se um verdadeiro circo na mídia, onde os dois lados atiram incessantemente sem, no entanto, ajudarem no esclarecimento dos fatos. As acusações contra os petistas que tentavam comprar o dossiê com o intuito de prejudicar a candidatura de José Serra, são baseadas unicamente na origem do dinheiro apreendido com os envolvidos. Enquanto isso o PT insiste que o conteúdo do dossiê seja investigado, uma vez que pelo elevado valor envolvido o dossiê pode conter revelações bombásticas.Em meio ao verdadeiro bombardeio de informações repercutidas na mídia, fica difícil compreender e filtrar o que realmente é relevante no caso e o que é oferecido ao público como mero conteúdo eleitoreiro.Do lado do petista, os mais inflamados alardeiam uma tentativa de golpe da direita juntamente com a imprensa manipuladora; afirmam que tudo isso teria sido armado pelo PSDB com o intuito de prejudicar a candidatura de Lula, o que, na verdade realmente aconteceu, afinal, o partido do presidente não teria o menor interesse em se meter em uma encrenca dessas quando tinha a eleição em suas mãos.Do lado tucano, a tese acatada é a de que o PT utiliza-se do dinheiro público e atitudes antiéticas com o objetivo de se manter a qualquer custo no poder. Bradam aos quatro cantos que os envolvidos no caso são criminosos, e que o presidente tem envolvimento direto com tudo que acontece no seu partido.Os analistas políticos, por sua vez, insistem na tese do risco PT, isto é, devido a aproximação do partido com o Estado criou-se uma rede de relações perigosas, tanto para o governo quanto para o partido. Algumas pessoas envolvidas diretamente nas duas instituições, utilizariam seus cargos e posições para ajudar o partido. Segundo tais analistas, o PT teria criado uma estrutura tal qual um governo paralelo, onde os interesses primordiais seriam os interesses do partido, e não do país.O fato é que a prática da utilização de dossiês contra opositores políticos é praticamente uma constante nos processos eleitorais brasileiros. A “arapongagem” corre solta nos bastidores, afinal informação é poder!Vários escândalos parecidos ocorreram nos últimos anos, o dossiê Cayman, o escândalo da pasta rosa, e mais recentemente as denúncias contra a atual senadora Roseana Sarney quando esta despontava no cenário nacional como forte candidata a presidência. Curiosamente, essas acusações eram farpas trocadas entre o PSDB e o seu maior aliado, o PFL, sem nenhum tipo de envolvimento do PT, que inclusive se recusou a participar de campanhas midiáticas, que fomentassem o clima de tensão gerado por essas acusações.O mercado dos dossiês é movido pela grande massa de pessoal especializado formado pelo governo militar nos porões do SNI. Com a queda do regime, tais pessoas, peritas em obtenção e compilação de material incriminatório, se viram de uma hora para outra sem função, e o pior, sem emprego. Como não obedeciam mais ao grande líder se dispersaram, formando pequenos grupos de inteligência que atuam como mercenários, vendendo a informação a quem paga mais.Pois bem, agora com a confirmação do segundo turno, seria interessante para o presidente Lula que as investigações fossem aceleradas e os culpados punidos o quanto antes. Já para o candidato tucano seria ótimo que o processo ocorresse de forma vagarosa e pudesse ser mais explorado por mais algum tempo.Agora é esperar para ver de onde veio o dinheiro e aguardar ansiosamente o próximo dossiê em mais um capítulo do jogo de poder brasileiro.
E não é que os tucanos conseguiram.....
Por Tárcio M. Fabrício
Com a definição do segundo turno na corrida eleitoral a presidência, podemos esperar uma radicalização por parte dos candidatos do PT e do PSDB. Com o resultado das urnas o crescimento do candidato tucano Geraldo Alckmin surpreendeu em um quadro que já parecia estabilizado e que daria a reeleição ao Presidente Lula. Várias hipóteses são levantas a respeito dessa virada do tucano na última hora, a ausência de Lula no debate, a divulgação das fotos do dinheiro da compra do dossiê e a campanha midiática contra o presidente.Todas essas hipóteses são viáveis e realmente tiveram um peso na definição dos resultados, entretanto dois aspectos muito mais relevantes não são levados em conta quando se analisa o quadro eleitoral. Um deles é o preconceito, existente em uma parcela considerável da população, em relação a origem humilde do presidente e de sua relação com movimentos sociais, sindicatos e etc.Considerados aos olhos da elite e da classe média como baderneiros e vagabundos, que apenas servem para desestabilizar a ordem vigente.Foi absolutamente fácil constatar tal fato apenas abrindo nossas caixas de e-mail na semana que antecedeu a eleição. Inúmeras mensagens chegavam de todos os cantos com conteúdo panfletário desqualificando o presidente, utilizando-se dos velhos argumentos da “direitona” e que várias vezes prejudicaram o presidente e outros candidatos de perfil semelhante. - Analfabeto, burro, vagabundo - a insistência no discurso de que os sindicalistas não trabalham, etc.Atacam as posições programáticas e ideológicas do partido, com o discurso do anticomunismo, a velha história de que se você gosta de socialismo devia se mudar para Cuba, aliada a o novo discurso da existência de uma gigantesca conspiração de esquerda, capitaneada pelo Chavez, no intuito de dominar toda a América Latina. O que surpreende na verdade em todo esse discurso é imaginar como alguém em pleno século XXI pode acreditar nisso.Em primeiro lugar, o arcabouço programático e ideológico do PT é praticamente o mesmo do PSDB no que diz respeito a suas origens, sendo a história e a disputa pelo poder os grandes responsáveis pelo distanciamento que hoje se observa. Os dois partidos ao longo dos anos foram obrigados a apelar para o fisiologismo político para alcançar algum resultado, e nesse aspecto o PT se mostrou muito mais fiel ao seu ideário, afinal como pode um partido como o PSDB que se auto proclama de centro- esquerda se aliar a parcela mais linha dura da direita brasileira, no caso os coronéis do PFL.Os tucanos e os coronéis se completam perfeitamente quando vendem a imagem de políticos sérios e comprometidos com o bem-estar da população, principalmente da parcela mais rica dessa. Aquela que acata esse discurso porque só olha para o próprio umbigo, só se preocupa com o seu bem estar e não consegue se conformar com o fato de ser governada por uma pessoa ou um grupo político que não tenha passado pelas mesmas agruras, que não tenha estudado nas melhores universidades e que não saiba falar francês.O outro aspecto importante a ser levado em conta nessa disputa é o projeto de manutenção de poder do PSDB/PFL, discreto e silencioso espalhando seus tentáculos por todos os compartimentos da sociedade. O caso mais visível disso foi a alta votação alcançada pelo candidato do PSDB no estado de São Paulo.Em 12 anos de governo utilizou a máquina administrativa com maestria para fortalecer o partido principalmente no interior do estado, distribuindo cargos e nitidamente executando projetos de cunho eleitoreiro. A tão aclamada capacidade de gestão do partido também pode ser observada na quantidade de dinheiro arrecadada por este para a manutenção de seu projeto. O número de privatizações e licitações públicas realizadas de maneira um tanto quanto duvidosa deveria colocar sob suspeição a administração do estado.Na edição da Folha Ribeirão do dia 1º de outubro, o coordenador regional de campanha do PSDB fala que o número de candidatos do partido na região é o máximo permitido pela legislação, ao contrario do PT que preferiu apostar em nomes que já apresentam um histórico político. O que o PSDB busca com essa estratégia? Por que lançar vários nomes que vão concorrer entre si em um universo eleitoral restrito? A resposta é simples, com mais candidatos se obtém mais dinheiro para fomentar a campanha dos caciques e, além disso, alcança uma maior penetração nos mais variados compartimentos sociais mantendo-se a estrutura de poder.Agora com a eleição de José Serra ao governo de São Paulo viveremos mais quatro anos dessa dinastia e ao que tudo indica com chances de ser elevada a esfera federal. Estamos apenas no começo da corrida, entretanto podemos esperar chumbo grosso contra o atual presidente, uma vez que a sêde de poder do PSDB não tem limites.



Compilação de trabalhos experimentais FEC - UNIARA 2006

PROJETO JORNALISMO E DIVERSIDADE LINGÜÍSTICA

Concepção e coordenação: Tárcio M. Fabrício

Orientação: Profa. Julia Gorla










Coletânea de matérias opinativas apresentadas na disciplina Realidade sócio-econômica e política brasileira

UM OLHAR SOBRE A DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL
A desigualdade social existente no Brasil é derivada do processo de colonização ao qual o país foi submetido pela coroa portuguesa e posteriormente ao estabelecimento de uma sociedade burguesa branca e escravocrata nos moldes das sociedades européias de sua época. A colonização portuguesa no Brasil, assim como a espanhola, a holandesa e a francesa em outros países sul-americanos, caribenhos e africanos, tinham como único objetivo a expropriação dos recursos de maior valor em benefício único e exclusivo de suas respectivas coroas.Para estas terras, eram mandadas pessoas excluídas de seus países de origem, que aqui chegavam não com o intuito de desenvolver uma nação, mas somente de acumular bens suficientes para que pudessem ascender socialmente sendo, pois, respeitados posteriormente em sua terra natal. Toda a riqueza aqui gerada era invariavelmente revertida para Portugal ou para outros países europeus, fosse por meios legais ou por meios ilícitos, o famoso “jeitinho”. Desde os primórdios do país já se estabeleceu uma hierarquia social, onde em primeiro lugar estavam os europeus, em um segundo patamar, entretanto muito abaixo em relação de importância aos primeiros, os nativos amigos, em grande parte da etnia Tupi, habitantes do litoral e que se submeteram rapidamente ao domínio português, e em terceiro lugar, no ultimo estágio de importância, na verdade nenhuma importância, as etnias do interior do país, consideradas inimigas da grande nação Tupi e por essa, perseguidos e exterminados com ajuda dos portugueses durante séculos.Num segundo momento, dada à ineficiência da utilização de mão de obra indígena com a introdução de outras formas de geração e exploração de recursos, como a monocultura e a exploração de minério, e com o intuito de se fomentar outras formas de acúmulo de riquezas dos países colonizadores, houve o afluxos de populações advindas da África e tem se a partir desse ponto o alvorecer de um sistema escravocrata baseado na exploração do trabalho escravo das populações africanas aqui aportadas.O trabalho de tais homens e mulheres servia de subsídio e fomento para a até então incipiente elite brasileira. Um outro processo nesse momento estava em curso do outro lado do atlântico, a consolidação da burguesia. Quando o Brasil passa ao status de vice reino e recebe a Família Real Portuguesa, a pequena elite brasileira passa a ter maior importância na corte. Com a consolidação da burguesia européia os processos de expropriação e acumulo de capital tem um impulso muito forte e a já abastada elite brasileira aproveita o momento e enriquece ainda mais, aumentando a distância em relação às classes mais baixas.Finalmente temos a independência do País e com ela uma abertura ainda maior a exploração externa dos recursos nacionais, a burguesia já totalmente consolidada acumula ainda mais capital e se firma como a elite nacional. Já nesse momento a exclusão social era latente, os nativos eram considerados vagabundos, expulsos de suas terras, aculturados de forma a tornarem – se facilmente manipulados, os mestiços eram considerados superiores a estes, entretanto tinha um papel de pouca importância vivendo condicionados a subempregos. Os negros continuavam mantidos e submetidos à escravidão.Com abolição da escravatura em 1888, os negros agora livres, não obtinham, e talvez até nem fosse seu desejo, trabalhos assalariados com seus antigos patrões, os quais em um segundo momento, “importaram” mão de obra assalariada da Europa. Começava então a se formar o retrato de exclusão social mais próximo do qual presenciamos no país hoje.A estratificação social se torna nítida. Na base da pirâmide as populações de origem indígena e africana, vivendo em condições precárias de existência, sem terra, sem capital e sem trabalho, uma classe intermediária advinda da segunda onda migratória européia, e no topo a burguesia e descendentes de famílias nobres detentoras do capital e da propriedade. Um processo cruel, uma pirâmide onde quase não existe intercâmbio entre seus estratos sociais.Já no século XX com o início da industrialização do país e o desenvolvimento e utilização de novas tecnologias agrícolas começa o processo de êxodo em direção aos centros urbanos, culminando no caos social evidente nas grandes cidades nos dias de hoje. As cidades aumentam ainda mais a desigualdade social uma vez que o pequeno espaço destinado a uma pessoa não permite, por exemplo, o desenvolvimento de algum tipo de atividade de subsistência. A desigualdade se apresenta nos grandes centros, ainda mais acentuada por meio da exclusão. Pessoas abaixo da linha da miséria, milhões de pessoas passando fome, um menino descalço em um farol pedindo uma moeda.È interessante ressaltar nesse momento, que a desigualdade social não é um processo único e exclusivo de classes sociais, também pode ser observado nas relações de gêneros, etnias, religiões e outros compartimentos da sociedade. Entretanto, dado a esse fato, grande parte desses aspectos de desigualdade se refletem também nas relações de classes sociais.
O POVO BRASILEIRO E O "JEITINHO"
O povo brasileiro é estigmatizado pelos rótulos do futebol, do carnaval e do jeitinho. Tais definições são lugar comum na sociedade e tristemente são fomentadas pela mídia de forma irresponsável dentro e fora do país. Sim, o povo brasileiro gosta de futebol, assim como quase todos os povos do mundo também gostam, temos os melhores jogadores, entretanto temos uma desorganização latente nas entidades vinculadas ao esporte, da mesma forma que somos desorganizados em relação à saúde, educação, ciência e tecnologia, segurança pública e uma vasta gama de outros setores tão importantes quanto estes últimos e sem dúvida, muito mais importantes que o futebol. Já em relação ao carnaval somos organizados, afinal a presença do Estado é mínima nesse caso. No Rio de Janeiro e em São Paulo grande parte do dinheiro empregado no espetáculo parte de organizações lideradas por contraventores, banqueiros do jogo do bicho e até narcotraficantes. Na Bahia tudo é lindamente organizado pelas redes hoteleiras e pelas redes de comunicações apadrinhadas do senador Antônio Carlos Magalhães, até os músicos pedem a benção do padrinho em seus shows sobre o trio elétrico, assim como as escolas de samba pedem a benção de seus “patronos” bicheiros antes de entrarem na avenida, fruto do paternalismo ao qual o povo brasileiro se habituou em seus pouco mais de quinhentos anos de história.O jeitinho, apesar de ser vangloriado pelos ufanistas de plantão como legitimamente brasileiro, não deve ser encarado como tal. Na verdade o jeitinho é a reação de uma sociedade advinda de um processo de colonização calcado na expropriação, na escravatura, no acúmulo de capital. Em uma colônia onde se vê todas as riquezas sendo levadas para um pequeno número de pessoas do outro lado do mundo à custa do trabalho e do sofrimento da grande maioria com condições mínimas de existência, nada mais natural do que o surgimento de artimanhas que possibilitem um meio de ludibriar as autoridades e os donos do poder em detrimento de uma melhor condição de vida.Nesse aspecto talvez nem seja a ambição financeira o fator preponderante, mas sim o desejo de vingança, contido e discreto, residente em cada um dos cidadãos que se sentem subjugados, apenas uma massa de trabalho, um número em meio a vários outros, um rosto na multidão. Em vários países colonizados o tal “jeitinho” se apresenta, basta ver as condições dos países africanos e de nossos vizinhos da América Latina. Todos unidos pelas mazelas geradas pelas potências colonizadoras e usando seu “jeitinho”, sua “milonga” ou seu “approach” para obter algum tipo de vantagem.O jeitinho se prolifera por todas as esferas sociais, e tem seu lado mais deplorável revelado por meio da corrupção nas esferas governamentais, um grato presente herdado do sistema de organização extremamente burocrático de nossos colonizadores portugueses, um problema congênito, uma epífita enraizada nas estruturas que deveriam servir como exemplo de credibilidade a ser seguido pelo seu povo, as instituições democráticas, representantes supremas da nação contaminadas pelo jeitinho.Mas, o povo brasileiro em sua grande maioria não é isso! O povo brasileiro é aquele que levanta às quatro horas da manhã e pega três ônibus diferentes para chegar ao trabalho, vai para a roça sob o sol escaldante, ganha pouco, não tem acesso a serviços de qualidade advindos do Estado que sustenta à custa de seu trabalho, não é respeitado pelo seu patrão, quer ver seus filhos com uma vida melhor e luta para isso, é honesto, tem fé, é diverso. Uma miscelânea de tons, sotaques e costumes, tristemente submissa, mesmo que disso não saiba, ao paternalismo arcaico do Estado, das igrejas, dos patrões e da própria sociedade como um todo, uma massa de manobra submetida ao controle social da ordem e progresso positivista da nação brasileira.
AS DIFERENTES REALIDADES SOCIAIS
A realidade social é estritamente relacionada à sociedade da qual é fruto, é resultado de um arcabouço de referenciais históricos, culturais, geográficos, e climáticos e de valores éticos, morais, religiosos, econômicos, sociais e estéticos. Portanto, é extremamente difícil comparar realidades de diferentes sociedades, uma vez que existe a tendência etnocêntrica a se enxergar o outro a partir de olhos condicionados a enxergar a si mesmo, como exemplo de tal fato, podemos citar a grande dificuldade das civilizações ocidentais em entender aspectos de sociedades estabelecidas sobre outros pilares sociais, como os países muçulmanos regidos por fortes preceitos religiosos diferentes da concepção judaico-cristã ocidental; povos africanos e suas sociedades tribais, que tiveram seu modelo de organização social forçosamente desmantelado pelo colonialismo europeu, gerando um sem numero de rebeliões, revoltas e guerras civis.Como a realidade social de cada sociedade é ancorada nos preceitos da mesma cabe - nos questionar a veracidade de idéias atribuídas ao senso comum no que tange o entendimento dessa realidade, principalmente na comparação entre sociedades distintas. Como é possível explicar uma realidade quando se vive em outra completamente diferente? Seria possível um pesquisador de meia idade, anglo-saxão, protestante, nascido e criado no Texas, entender a realidade social das adolescentes cubanas, negras e praticantes de vodu? Poderiam essas adolescentes, entenderem a complexidade da realidade de crianças palestinas moradoras da faixa de Gaza?A realidade social de uma sociedade, assim como a cultura desta, não pode ser avaliada de forma a estabelecer parâmetros de comparação, ou seja, se ela é melhor ou pior que outra, deve ser encarada simplesmente como diferente. Podem ser usados alguns artifícios quantitativos favorecendo algumas conclusões sobre alguns aspectos, como índices de desenvolvimento humano, índices de mortalidade e natalidade, taxas de analfabetismo, no entanto a realidade não poderá ser comparada em sua totalidade, uma vez que como já citado anteriormente, é um processo intrínseco a cada sociedade.A realidade, também pode ser encarada com certa relatividade dentro de uma mesma sociedade, na medida em que cada um dos compartimentos vinculados a esta pode conceber a realidade de maneira antagônica aos outros, de acordo com a classe social, o gênero, o grupo étnico, o nível de conhecimento, as diversas religiões e ainda as diversas subculturas existentes em uma mesma sociedade. A realidade de um garoto de dez anos de idade, morador de um bairro de classe média alta, será para este e para seu grupo de convívio, bem diferente da realidade social na qual vive um garoto da mesma idade morador de uma comunidade pobre em uma grande cidade, que por sua vez será diferente de outro garoto de mesma idade e mesma classe social que more num acampamento do MST.Tais “realidades distintas” dentro de uma mesma sociedade devem ser encaradas relativamente, como já mencionado, uma vez que apesar de existirem várias formas de se concebê-la, de acordo com o grupo do qual se faz parte, a “realidade do todo” social pressiona em igual amplitude a “realidade das partes”, uma vez que apesar da existência desses diversos compartimentos sociais, todos estão alocados em um grupo maior.Fatalmente a realidade social do “garoto do MST” em algum momento se confrontará com a realidade do “garoto da favela”, seja no instante em que ambos se deitarem com fome para dormir ou quando forem auxiliados por algum tipo de organização não governamental ou projeto social, já o “garoto de tênis Nike” por sua vez, poderá ter sua realidade confrontada com a realidade do “garoto da favela” seja em um campinho de futebol limítrofe entre os barracos e o asfalto, ou com uma arma na mão em alguma esquina da metrópole.